Como diria Shakespeare, “há algo de podre” no reino do pop quando a rainha das rainhas do estilo perde a admiração da crítica para se tornar uma talentosa vendedora de imagem. Sejamos honestos, Madonna não é mais a mesma, não importa quanto dinheiro sua última turnê tenha rendido. Hard Candy, o disco da tal última rodada de shows pelo mundo, ficou marcado como o topo do exagero eletrônico ao qual aos poucos a super-mega-popstar estava se aproximendo. Ainda em Hamlet, se a decadência de Madonna é como a morte do rei, então o surgimento tão repentino e poderoso de Lady Gaga é a cereja do bolo na vingança do príncipe-herdeiro. Sim, o pop estava precisando de uma renovação, de uma nova linguagem e, acima de tudo, de algo que se ajustasse aos padrões de venda dos novos tempos sem abrir mão da qualidade e da inovação. Ela, a ítalo-americana Stefani Joanne Angelina Germanotta, encurtou o nome, gravou um disco mega-produzido e pulou direto do anonimato para o mais completo e irrevogável sucesso que o novo século já viu em termos de música. Hoje, Gaga é uninanimidade entre crítico e pública. E para provar que Nelson Rodrigues podia estar mesmo errado quando disse que “toda a unanimidade é burra”, a prova mais substancial é The Fame, o disco de estréia da cantora, recheado de hits, batidas viciantes, pop teatral alguns níveis acima de puro entretenimento e letras que, vez ou outra, até mostram alguma inteligência. Ainda em Britney? Me perdoe, mas desligue a TV e vá escutar música de verdade.
The Fame abre logo com o primeiro e mais arrasador hit da cantora, Just Dance (I love this record baby, but I can’t se straight anymore/ Keep it cool, what’s the name of this club/ I can’t remember, but it’s allright), dona de uma letra que combina descompromisso, sensualidade, repetição e pura confusão para passar com perfeição sensações que, muitas vezes, o ouvinte nem mesmo já sentiu. Isso sem contar que se trata de uma das canções mais dançantes, divertidas e grudentas dos últimos anos. A segunda faixa, LoveGame (I wanna kiss you/ But if I do it I might miss you, babe/ It’s complicated and stupid), é preciosa por mostrar toda a teatralidade de Gaga em ação, e o resultado acaba sendo o mais visceral, excitante e marcante som de todo o álbum. Outra séria concorrente ao mesmo posto é Paparazzi (I’m your biggest fan, I’ll follow you until you love me/ Paparazzi), dona de um refrão viciante, ambientação perfeita e um arsenal de sons artificiais que deveria servir de lição para a Madonna do século XXI. Enquanto isso, Gaga brinca de pop inocente em Eh Eh (Nothing Else I Can Say) (I met somebody cute and funny/ Got each other and that’s money) e acaba se dando bem com um ritmo bem marcado de e a primeira demonstração mais poderosa de sua voz, que se destaca sobre um instrumental mais suave. O segundo hit do álbum a ser posto no mercado, Poker Face (Roussian Roulette is not the same without a gun/ And baby when it’s love if it’s not rough it isn’t fun), tem uma letra esperta cheia de metáforas escondidas bem a vista, mas exagera um pouco no ritmo baseado na batida repetitiva do techno house. Em compensação, a faixa-título, The Fame (Give me something I wanna be, retro glamour, Hollywood/ Yes we live for the fame/ Doing it for the fame/ ‘Cause we wanna live the life of the rich and famous), se equilibra no mesmo estilo com maestria, tem um refrão criativo e letra recehada de críticas sérias apresentadas em um ritmo viciante. A sensualidade volta a voga com Money Honey (When you touch me it’s so delicious/ That’s money honey/ Baby when you tear me to pieces/ That’s money honey), com passagens em que a voz de Gaga finalmente mostra toda a sua potência e põe todo o swing house posto para funcinar a perfeição. Again Again (When you’re around/ I lose myself inside your mouth/ You’ve got brown eyes/ Like no one else), por sua vez, surpreende pela pureza do ritmo, quase um blues, melacólico e visceral, e pela propriedade com que Gaga interpreta as emoções mais puras de todo o álbum. Se a fórmula começa a cansar nos mesmos erros de algumas outras faixas em Boys Boys Boys, ao menos o jazz assumidíssimo de Bown Eyes (In your brown eyes, walked away/ In you brown eyes, couldn’t stay/ In your brown wyes, watched her go) dá um folga do estilo eletrônico para mostrar que pop, rock e estilos mais “alternativos” podem viver juntos de forma harmoniosa e sensacional. Um momento acústico marcante o bastante para o estilo de sempre voltar em Summerboy (Don’t be sad when the Sun go down/ You’ll wake up and I’m not around/ I’ve got to go/ But we still have de summer afterall), uma faixa que lembra muito a Madonna de antigamente e a Kylie Minogue de sempre. Na mistura evidente, Gaga sai vitoriosa, alguns dólares mais rica e ainda traz um pouco de esperança nesse mundo tão escuro que é o pop moderno.